
Capitaneados pelo rápido avanço tecnológico, os estudos com dados do mundo real (RWD) são cada vez mais relevantes para a medicina e a indústria farmacêutica moderna, fornecendo novos insights e parâmetros de análise que prometem revolucionar os cuidados com a saúde dos pacientes.
Nos últimos anos, houve um aumento acelerado no interesse das comunidades médicas e científicas pelos chamados ‘dados do mundo real – uma rápida pesquisa pelo PubMEd indica quase 18 mil papers publicados em 2024 relacionados ao termo, frente a cerca de 6 mil em 2019. O avanço tecnológico na aquisição, no armazenamento e no acesso a quantidades massivas de informações de saúde, obtidas de maneira ‘não-filtrada’ (isto é, ‘do mundo real’), abriu novos caminhos analíticos e permitiu que formas inovadoras de se estudar medicamentos e equipamentos de saúde ganhassem enorme relevância no contexto farmacêutico e das pesquisas em saúde.
A fim de compreender o impacto atual e futuro das abordagens ‘real-world’, assim como examinar seus benefícios e os cuidados que demanda, preparamos um resumo do que são Real-World Data e Real-World Evidence, como estes conceitos se diferenciam dos estudos clínicos clássicos, e o papel inovador e de vanguarda da Synvia como colaboradora nestas novas formas de analisar dados em prol da saúde.
Algumas definições: Estudos clínicos, Dados do Mundo Real (RWD) e Evidências do Mundo Real (RWE)
A fim de compreender os dados ‘do mundo real’, vale compará-los com o padrão ‘clássico’ de pesquisas médicas: os estudos clínicos.
Um estudo clínico é definido como um estudo em que pacientes recebem, de forma prospectiva, uma ou mais intervenções (incluindo placebos ou outros tipos de controle) com o objetivo de avaliar seus efeitos em parâmetros biomédicos e/ou comportamentais. Tais pesquisas costumam contar com o suporte de uma infraestrutura separada da prática clínica rotineira, e são desenhadas para controle de variáveis e maximização da qualidade dos dados (em sentido estatístico).
Em estudos clínicos tradicionais, há um controle fino sobre quais pacientes podem participar das pesquisas. Existe uma filtragem prévia que usualmente favorece aqueles voluntários que tanto possuem uma doença ou condição específica quanto apresentam características que favoreçam a detecção dos efeitos do medicamento em análise. Além disso, o controle da qualidade dos dados, a partir de investigações randomizadas, duplocegas, é padrão neste tipo de estudo, que segue rígidas análises estatísticas a fim de eliminar ‘ruídos’ ou quaisquer aspectos não-randomizados de seus resultados.
Real-World Data (RWD), por outro lado, é um termo que se refere às informações sobre a saúde de um paciente coletadas rotineiramente, de forma observacional, fora de um ambiente controlado de testes clínicos, a partir de fontes variadas. É daí que tem origem a expressão ‘mundo real’. Essas fontes podem ser boletins médicos, registros eletrônicos obtidos por aparelhos medidores, registros farmacêuticos, bancos de dados de seguradoras de saúde ou sistemas médicos, dados gerados pelos próprios pacientes, dados de registros de produtos ou doenças, sistemas informatizados governamentais etc. Percebe-se que os avanços tecnológicos das últimas décadas – seja em equipamentos coletores de informações biológicas, seja na evolução (incluindo redução de custos) do arquivamento eletrônico de dados médicos e sua disponibilização de forma padronizada – foram os principais propulsores do uso crescente de RWD.
Já Real-World Evidence (RWE) refere-se às evidências clínicas sobre o uso e os potenciais riscos e benefícios de um medicamento ou produto médico, obtidas a partir da análise da RWD. A RWE é a conclusão advinda de RWD. A RWE é uma evidência que independe de informações obtidas a partir de estudos clínicos tradicionais, baseando-se, ao invés, em dados coletados rotineiramente, fora de um ambiente controlado.
Dados, estudos e evidências do mundo real são cada vez mais importantes para complementar estudos clínicos, fortalecendo evidências, gerando insights para novas utilizações de medicamentos ou dispositivos ou avaliando o impacto de uma intervenção após sua incorporação em sistemas de saúde. São particularmente relevantes em cenários em que não é possível o desenho de estudo clínicos tradicionais, seja por motivos éticos, seja por questões logísticas, seja em avaliações de longo prazo, seja em casos de doenças ou efeitos adversos raros.
Uma revolução corrente: RWD E RWE já estão em uso em todo o mundo
Ao longo dos últimos anos, avanços na obtenção de dados de pacientes e em sua análise permitiram uma revolução na maneira como medicamentos são avaliados, acelerando processos muitas vezes lentos e sujeitos a erros.
A FDA norte-americana (U.S. Food and Drug Administration, agência reguladora de saúde do governo dos EUA), por exemplo, capitaneou, em 2016, a aprovação do The 21st Century Cure Act, visando à aceleração do processo de avaliação e de desenvolvimento de produtos e de inovações médicas. Dentro do escopo da ação, a FDA criou em 2018 [1] um framework para avaliar especificamente o uso de RWE na aprovação de novos medicamentos. Segundo este framework, RWD e RWE podem ser utilizadas para o aprimoramento da eficiência dos estudos clínicos, por exemplo:
• ao gerar hipóteses para testes em estudos randomizados;
• ao indicar potenciais populações de interesse geograficamente definidas (para estudos de medicamentos contra doenças raras, por exemplo);
• ao apontar parâmetros/ferramentas que podem ajudar no desenvolvimento de medicamentos (como biomarcadores);
• ao ajudar na construção de parâmetros para estudos clínicos tradicionais, ao identificar o impacto de critérios clínicos na população de interesse.
O empenho da agência norte-americana – uma referência quando o assunto é segurança de medicamentos – na incorporação de dados do mundo real já teve reflexos globais, com agências reguladoras europeias e a ANVISA brasileira atualizando protocolos a fim de avaliar seu uso em estudos e análises de medicamentos e estratégias terapêuticas [2].
Outro corolário foi o aumento substancial no número dos chamados estudos clínicos híbridos. Nestes casos, o desenho do estudo segue o padrão tradicional das investigações clínicas, todavia abrindo linhas de análise de dados coletados a partir de boletins médicos ou bancos de dados laboratoriais ou farmacêuticos. Os dados de RWD não precisam, necessariamente, embasar conclusões gerais sobre os medicamentos em estudo, mas ajudam a chamar a atenção para certos aspectos (como taxas de hospitalização) que podem indicar benefícios adicionais e inesperados do produto.
Benefícios (e cuidados) dos dados do mundo real
Vivemos na era do Big Data no escopo médico. Nunca se coletou tantos dados sobre a saúde da população, reunidos a partir das mais diversas fontes e parametrizados em inúmeros bancos de dados digitais, e nunca eles tiveram tanto impacto quanto hoje.
O maior desses bancos – o UK Biobank –, por exemplo, possui dados genéticos de mais de 500 mil pessoas, e fornece informações que baseiam e impactam diretamente as políticas públicas do sistema de saúde britânico. Outro exemplo: em janeiro de 2025, foi anunciado o Truveta Genome Project, uma iniciativa que une 17 sistemas de saúde norteamericanos e criará o maior banco de dados genéticos do mundo, contendo informações de dezenas de milhões de pessoas em sua fase inicial.
A riqueza de informações que os enormes bancos de dados de saúde – não só os genéticos, como também aqueles oriundos de sistemas de saúde governamentais, bancos de estudos acadêmicos, de laboratórios e de seguradoras – fornecem é imensurável, e será cada vez mais a fonte de insights, integrações e conclusões sobre a eficácia e a eficiência de intervenções e de medicamentos – especialmente nos próximos anos, em que se vislumbram grandes avanços a partir de análises refinadas de dados feitas por IA. É nesse cenário em constante evolução que se inserem as evidências baseadas no ‘mundo real’.
Diferentemente dos ensaios clínicos tradicionais, que focam em um grupo de dados obtidos a partir do próprio estudo, o RWD possui todo o amplo escopo de dados do mundo real sobre o qual trabalhar. A partir deles, é possível aprimorar o desenho dos estudos clínicos, obter insights sobre a eficácia de medicamentos em diversos cenários diferentes, determinar grupos de interesse para intervenções terapêuticas e remanejar ações.
Uma vantagem importante dos estudos que envolvem dados do mundo real é como essas informações são obtidas. Por definição, a RWD independe do paciente visitar ambientes controlados, como clínicas, laboratórios, hospitais ou centros de investigação (além do estritamente necessário para seus cuidados de rotina). Isso resolve um dos principais problemas protocolares dos testes clínicos – o aceite e a adesão de voluntários – de forma extremamente eficiente. Além disso, os protocolos e termos de consentimento são muito mais simples, o que favorece ainda mais a obtenção de dados e reduz significativamente os custos de condução dos estudos.
Falando em facilidades na obtenção de dados, é importante lembrar que é possível, também, utilizar informações obtidas de pacientes já falecidos, um diferencial adicional com relação aos desenhos clínicos clássicos. Outro ponto importante é que a geração e a coleta de informações podem ocorrer durante todo o ciclo de vida do produto, o que é de alta relevância em estudos de farmacovigilância ou como apoio para sua aplicação em novos contextos terapêuticos. Com isso, amplia-se ainda mais o escopo e o volume de dados analisados, criando-se, também, parametrizações populacionais que estudos clínicos, por maiores que sejam, dificilmente abarcariam.
“A coleta de dados do ciclo de vida de um medicamento em uso no mundo real é um procedimento de rotina associado à segurança, no âmbito da farmacovigilância, e à eficácia, nas avaliações de pós-comercialização [2].”
Em outras palavras, existem inúmeros benefícios na utilização de RWD para estudos na área da saúde. Obviamente, sua incorporação em datasets incorre em fatores que demandam atenção. Talvez um dos maiores desafios do RWD/RWE seja justamente a enorme massa de dados sobre os quais pode-se trabalhar. Ainda hoje, por exemplo, muitos bancos de dados não estão devidamente sistematizados ou possuem tratamento prévio de entradas, que garantiriam uma análise mais precisa. Além disso, justamente pelo alto volume de informações, claramente existem inúmeros vieses potenciais nos dados, já que eles são obtidos de forma não-randômica e não-parametrizada, o que demanda um estudo delicado e uma análise criteriosa das fontes de informação.
É justamente com relação a estes pontos que alerta-se para a importância de conduzir pesquisas de RWD junto a parceiros com ampla experiência na análise de dados médicos e clínicos, e que possuam expertise na otimização de informações do mundo real, para conclusões precisas e pertinentes.
Continue acompanhando a Synvia e saiba mais!
Referências:
[1] https://www.fda.gov/media/120060/download?attachment